domingo, maio 1

While My Guitar Gently Weeps ou uma açucena branca para ti, mãe




Mais um dia igual a tantos, em que o teu olhar se perde por lugares longínquos, restando no meu peito o calor do teu colo, nos carinhos que já não sei.




Consigo por vezes, chorar-te quando te lembro (eu que nunca te esqueço) e ainda bem, porque corria o risco de me afogar no grito de dor que me sufoca a garganta, por não te poder chamar, gritar "mãe", só em surdina, só para mim, que sei que me ouves, porque estás tão dentro de mim, que não te consigo encontrar cá fora.




Onde o mundo ameaça mudanças que não entenderias, mas às quais sorririas, compalcente e dócil, sempre na esperança e crente que "Deus escreve direito por linhas tortas". Será?




Revejo-te na minha filha e hoje , no primeiro dia (de tantos outros que adivinho) que passo loge dela, sinto-me perdida embora tente sorrir contagiada pela felicidade dos outros que comemoram mais um dia de amor, que são todos os dias, num cliché que me dá tanto geito para resumir emoções. Sem as reduzir.




E assim, me solto, a ti e ao mundo, assim me declaro em publico, a ti, que levaste tanto de mim, quando partiste. Deixaste-me o suficiente para eu saber ser feliz, mesmo sem ti.




Já não sei o que te diga em palavras o que converso contigo, em pensamento, em cada momento que respiro. Exagero, pensam os que ainda têm as mães ao lado e que as podem levar hoje a um restaurante mais sofisticado e passearem numa cumplicidade de regresso à infância, especialmente hoje, porque o tempo não lhes dá tempo, para que seja todos os dias.




E eu aqui, a pensar-te como te penso todos os dias, a aproveitar-me das palavras que solto aos mesmo tempo que as lágrimas, a tentar não me esquecer do teu rosto, a sentir o teu toque e o teu olhar no meu futuro que construías em cada instante, sem tréguas, mulher guerreira, de ternura e doçura com que impregnavas os dias, mesmo os mais difíceis.




Apesar do pai ter partido há pouco tempo, sem avisar, é a tua falta que mais sinto, que sempre senti. Mesmo sabendo que me acompanhas os gestos e me orientas os passos, quando me sinto perdida dentro de mim, ao tentar encontar-te, num simples sorriso que me senta no teu colo com sabor a paz.




Até já. Vou tentar levar-te a tua flor preferida.


domingo, abril 10

F(r)IO de SAL











Diz-me









se souberes









de que cor são os lençóis de linho lavrado a son(h)os









das noites dançantes, cúmplices de nevoeiros









em que as lágrimas toldam as imagens já t(r)emidas









casas de alpendres de madeira com o piano mudo no canto que não entoas









sedas de frio das fitas das bailarinas

















Diz-me









quantas sombras do teu corpo se inclinam sobre o meu









em silêncios que mesmo assim, despertam curiosidades alheias









e sorrisos cúmplices de vizinhas amarguradas pela solidão

















Diz-me









porque é firme a minha carne que insistes em tatuar com o teu olhar









a tinta permanente que fixa as pupilas à cor e pólens a preto e branco









em arrepios de vida, pássaros errantes, lua amaciada









porque é intensa a memória que não te deixa partir









mesmo nos dias em que a boca sabe a sangue de tanto gritar o teu nome









nas noite em que solto gemidos noutro corpo que não o teu.

















Diz-me









se souberes









porque me espreitas sem me chamares









quando passo tardes à janela das árvores que salvo de serem secas por animaizinhos que não vês









porque me recordas em lágrimas, sempre e antes que a noite chegue,









no lusco fusco de retratos a sépia

















e me envolves no manto que é o nosso casulo (outrora edredon de algodão)









até ficarmos sem ar e nos resgatarmos de nós









numa solidão









onde não cabe a vida sem imaginação.