sábado, dezembro 30

Special




Persigo o sonho por entre o arvoredo que se intensifica, a cada hesitação minha.

Sempre que o enfrento, selvagem e desafiante,  ele vem beijar-me as mãos e o rosto com cicatrizes, deixadas pelos ramos do meu realismo. Acaricio-lhe o lombo, a cabeça. Depois evapora-se.

Fico então aprisionada neste enigma cada vez mais complexo,  que vou codificando à medida que lhe nego o nome, surdamente e recuando sempre que o vislumbro ao longe.


segunda-feira, dezembro 4

Sanctuary


 

És-me letras desalinhadas em mãos trémulas, que por vezes prosseguem caminhos de amor. E escrevo.

Leio-te também. Ainda noutro dia, abri o livro e vi. Páginas de luxúria desenhada. Ansiada. Nesta surdez que passa. Em branco.

Imagino que não deixas escorrer as noites, filtradas de madrugada.

Poderia então conjugar-te verbo, enquanto me decifras.

Houve mesmo um dia em que o nosso olhar se apaixonou.


Se estivesses aqui agora, beijava-te.



segunda-feira, outubro 16

Same Old Scene



Choveu esta madrugada.

O tempo  espalhado na suave memória,

a entrelaçar lágrimas, sangue

e suores do âmago da noite escura

num nevoeiro,

onde se obscurecem tempestades.

 

Reitero os dias, os passos e as flores secas, nos livros que me ofereceste

Insisto incansável, a chamar-te. 

E a minha vontade é forte.


Das minhas mãos nascem pássaros e devaneios.



Então, dentro de mim, a tua voz que perdura.

Pura.
Rouca.
Musical.

sexta-feira, agosto 25

Johnny Johnny


 

Tocar-lhe o sorriso, como se o olhar queimasse

este Verão interminável

na fronteira entre o sentir e imaginar.

 

Corre para mim só por um dia,

a devorar esta sensação

de sermos só um, multiplicados, divididos, arrasados

entrelaçados em música, café, baunilha e roçar de pele.

 

Agora fá-lo. Falo. Levanto-me pelo silêncio suave, que ao escutares, te faça estremecer.

segunda-feira, junho 5

This Light Holds So Many Colours

 


Amar-te no clamor dos dias pardos.

Violetas desesperadas, por um bater de asas

de borboletas

azuis

sempre que o teu olhar se despe no meu

e pousa no acenar distante dos comboios sem regresso.


Lanço-te um beijo,

que sufocas

de costas voltadas à viagem

dos poemas que teimas em não escrever,

porque a música parou o tempo.


segunda-feira, maio 29

Cartas às florestas I

 

Foto: CM

Não há flores no meu jardim. Não se vêem, não se tocam, nem se podem colher. Aromas insuspeitos de uma primavera indigente.

Perco-me nos cheiros adivinhados. Entro na floresta e sento-me junto ao castanheiro mais antigo.

Levanto-me e tropeço no estalar de pernadas secas, talvez seja o barulho do meu envelhecer com elas, estas árvores que me conhecem e amparam lágrimas, que por vezes me empurram para precipícios de cores vivas, outras vezes me obrigam a ficar em casa, de tanto que as canso de observar.

terça-feira, abril 25

Quelqu'un m'a dit


 


Inclino-me na noite, encostada à janela que te inventa.

A rua vazia, ecoa murmúrios do dia esgotado pelos lábios desafiantes.

Toques proibidos que ardem como gelo. E um copo de uísque. Glenlivet.

Dedos unidos esfumaçam sensações quase intoxicantes. C i g a r r i l h a s.

As esquinas são testemunhas dessa atracção intensa, e os sussurros de outros amantes misturam-se com os nossos, num êxtase delirante.

Gravado nas almas, o segredo da paixão insana e indomável.

Amanhece.

E corro para dentro de mim.

terça-feira, abril 11

When Love Breaks Down

 



guarda-me,

no lugar insuspeito onde desaguam desejos em vertigem

onde os pássaros fazem ninhos,
e nós morremos vivos

em memórias de doces frutos amadurecidos.


guarda-me
enquanto exiges

que ignore o caminho dos teus lábios


e eu percorro
avenidas, dunas, soleiras, bares,

em noites soluçantes de chuva invisível.


e, da força que me falta, articulo asas
e, da vontade que não tenho, invento caminhos

sem dores nem queixumes,
nesta primavera de esquecimentos

arredondo sorrisos, invoco deuses e alinho os astros.


e, no absurdo,

amo-te.


quarta-feira, março 1

The greateast


 

Avenidas Novas. Passei do assombro ao medo. De não reter as memórias de nós, de mãos dadas.

Bancos de jardim nos passeios, onde pés calçados de juventude pisam os lugares que já foram nossos.

Sinto-me perdida, não reconheço os sorrisos, há tanto que estou estremada ao meu lugar solitário.

Horizontes de néons, prédios e gente em que esbarro, porque correm. E eu quieta a fingir que vejo o mar, enquanto olho o céu.

Entretanto chego ao lugar- comum de todos os encontros.

Sento-me a olhar o rio, o caderno preto à espera da mão que tenta acompanhar o pensamento numa aventura de escrita, letra apressada e indecifrável.

Na outra mão, um uísque velho afogado em amargura decadente.

E permaneço, a fixar o rio até que seja mar.

quarta-feira, fevereiro 15

Desire


 

Não sei porque razão, os meus lábios abrem janelas de par em par, deixando entrar em passos de dança, sorrisos de memórias.

Metáforas que se fundem na paisagem. E o rosto dele a fixá-la como se ainda a esperasse.

Tanto tempo.

E a vontade de o rever, ouvi-lo, vê-lo perto. Tão perto que o pudesse tocar com a boca.


quarta-feira, fevereiro 1

Goodnight Moon

 


Os dedos falam, enquanto aquietam as mãos que dançam em mim.

Labirinto fechado de lugares vagos, pele dócil, rosto de olhar distante, pernas que inventam passos, então.

Construo liberdades que são gritos aprendidos, espaços sem medidas, lábios debruados a abismo.

Sorriste. E amei-te logo ali. 

De alma viva, contagiada pelo céu que o teu sorriso abriu.