quinta-feira, agosto 26

Today

 



Olhar marejado de ausência

trovoada de corpos (s)em almas

pena_das

palavras não ditas.

 

O chão que nos falta, o céu que nos protege

___________ adocicado o chá do deserto.

 

Retomo o silêncio no aroma antigo de cigarrilhas que já não fumo,

fogo  claro no excessivo da luz

em águas mornas da fluidez dos dias,

como no início do mundo

a gestação das tardes finitas,

noites que não chegam

mas tombam,

no lodo do meu peito

lama desenhada esquina

na desfaçatez do deslumbre ignorado.


Sangue seco, enfim.


sábado, agosto 14

Another Night In


 

Vê-o desesperado com o coração nas mãos

tão longe do sorriso que lhe era feição

(n)a ausência de batimentos, a transpirar medo dos beijos por sentir

longe de si próprio, a respirar orvalhos de manhãs submersas, distantes as lágrimas escondidas

inquietantes as mãos por dar

vê-o e sente-o a perder-se, sem o perder de vista

sem o perder de si

vê-o em poemas por escrever

sento-o quando o chão quase lhe falta

ampara-o no silêncio da dor

música de encantar

num vazio quase crepuscular.


Então resgata-o

sentada na margem das suas histórias

sem  o deixar afogar.

sexta-feira, agosto 6

Pausa

 


Uma sala com um cadeirão de tecido, na mesa uma bandeja com um copo. Um cinzeiro desperta a atenção. Alguém sentado a esfumaçar, olhando o infinito que é finito através da janela de reposteiros abertos. Alguém que entra e enche o copo ‘on the rocks’.

O homem sentado não se mexe, apenas insiste no gesto habitual de fumar. O olhar parece perdido, mas está atento. Vigilante. Espera alguém. Sem esperar.

A sala é elegante, com o toque minimalista de quem está de passagem. Mesmo quando sente falta do conforto das coisas a que chama suas. Pedaços de guardanapos de papel rabiscados. Livros com dedicatórias. Os vinis (con)sagrados...

Repousa o olhar sobre as caixas de cigarrilhas das marcas que experimentou, até se decidir. De acordo com o temperamento inquieto da mente.

Entre alguns objectos, os presentes que comprou e não lhe chegou a oferecer.

Resquícios das viagens que fez. Tenta lembrar-se das que idealizou fazer com ela.

Num movimento de nostalgia adiada levanta-se. Depois de pousar a cigarrilha a meio fumo, corre os reposteiros, pesados de um veludo azul, na penumbra em busca de uma determinada intimidade. Fica estático a ouvir os sons de uns saltos apressados, a tocarem ao de leve a calçada portuguesa. Reconhece o som. Abre então os reposteiros e encosta a cabeça à janela.

Na rua, o trânsito insinua-se intenso, nesta hora de lusco-fusco. Rápida a sombra da silhueta que tão bem conhece. Esguia num equilíbrio circense sobre uns saltos com que já fantasiou noites. Ou tardes como esta que cai, sem anúncio.

Retira os botões de punho, dobrando as mangas da camisa. Sente o aroma do after shave a esvoaçar e fica contente por ter decidido usar o que ela gosta. Apesar de adivinhar que o preferia de barba suave, quando em toques de quase volúpia, lhe acaricia o rosto.

Viaja ao ritmo dos saltos altos a baterem na entrada do prédio, agora num som mais audível, mais perto. As memórias são como os maços de cigarro que ela fuma e tem a mania de amarrotar naquelas mãos tão finas e tão poderosas. Amarota-os duma só vez, embora fique algum tempo a brincar com o maço, na mão esquerda, enquanto termina o último cigarro. Lembra-se tão bem da última vez. Há tanto tempo. Quando conseguiu que ela experimentasse uma cigarrilha. As gargalhadas que deram, com as expressões que ela fez…

…A primeira vez. Ela estava nua, desafiando-o com toda a feminilidade num corpo elegante, quase acutilante. como o olhar felino com que o enfeitiçara. Ali naquela sala.

Lembra-se de ter fechado os reposteiros, de um azul semelhante ao veludo da pele que descobriria mais tarde centímetro a centímetro, num afogar de arrepios.

Era uma tarde de sol.

Lembra-se porque o corpo exposto, mas não oferecido, encandeou-o com o reflexo do sol nos cabelos louros espalhados. Sol que os reposteiros mal fechados deixavam descobrir toda as cores que o calor daquele corpo lhe provocara. Febre. A arder.

Experimentaram-se, depois de tanto tempo a desejarem-se. Mesmo fingindo que não.

Experimentaram-se, vestindo-se um do outro, na nudez que seria pele e coxas. E sexos oscilantes, ansiosos pela explosão dos caminhos proibidos, onde se saborearam. No fim, cada um sabia ao gosto do outro.

[E 

minha solidão é 

uma aresta espetada no meu peito.]