terça-feira, outubro 25

When a blind man cries

 

Fixas-me o olhar como quem me olha (n)os olhos, a arriscar encurralar emoções, ensaios a tracejado, amor nos reflexos de esquinas vadias, vazias, aplausos a discursos indirectos, fascínio de noites intermináveis, de aroma a antigos amantes boémios que ainda (me) percorrem de desejo.

Tento em pautas de letras imaculadas, gritar à distância que nos separa, encurtá-la, libertando sopros de suspiros fátuos, enroscando-me em ti, encaracolada de saudades, com a determinação do dia certo que o meu peito alberga em vigília. Ou luto. 

A amar assim, até ser raiz.

quinta-feira, setembro 29

In a bar

 

Foto: CM


Inebriada pela seiva, sentei-me à chuva à espera que chegasses, cintilante, como as cores da queda das folhas outonais.

Rodopiava, mentalmente enlaçada com o teu sorriso de poeta, que me aconchega nas tardes que são noites sem dormir.

Rios de sangue desaguam em mim  feridas que cicatrizo sem te dizer, para que não saibas que existes nos meus sonhos gravados na pele.

A tinta permanente.

A paixão e o amor por definir.

 

segunda-feira, setembro 5

Don't Worry About Me

 




Recuar a memórias, aos dias de flores inquietas, pela brisa suave de um sol de Verão.

 

[Descalça, a chapinhar num fio de água que restava do riacho solto na madrugada.]

 

Sei-te de olhos fechados: a pele macia, o cheiro a amor nos olhos que pousam nos meus, ignorantes de promessas.

 

O arrepio na pele, da surpresa de te ver à porta.

Silêncio.

 

O tempo perfeito neste prolongamento de fio de sémen suspenso.

 

Dá-me a tua boca. Dá-me, dá-te, solta-te, eleva-me.

Na ambiguidade da saudade…

Não digas nada: sente.

 

E eu calada, sôfrega dos teus sussurros nos meus cabelos, a tua língua nos meus ouvidos em busca de mim.

 

Despe-te, deixa a luz acesa.

Loba.

 

O prazer pelo prazer. A intimidade encaixada. Ascendo enquanto gemes, gemo porque a[s]cendes.

Tombamos um no outro. Suspiros. Recuperar o fôlego.

Não dizes nada.

 

 

E só eu sei, o que queres dizer.

quarta-feira, junho 15

Call Me When You Get Home


 

Deixo cair os olhos no pinhal

              e apanho os meus pedaços.

 

A tapar os olhos até as palmas das mãos doerem, pelo rasgo dos ramos da árvore a que trepo

na colheita do fruto proibido,

sempre que ensaio fugas

de ti,

de mim.

 

Lasciva,

esta cor de perfume

                      a escorrer-te pela barba

azul,

de manchas licorosas

almiscaradas, perigosas

que não me

deixam partir.


quarta-feira, maio 18

Show Me


 

É nos olhos que começa o beijo, como se o corpo fosse boca. 

Depois, mãos e lábios perdidos que despem a vontade demasiado rápida de consumir todo o oxigénio e saciar a sede. 

As tuas palavras beijam-me. 

Hoje, os dedos só servem para dizer adeus. 

Saudades. 


E foi com um olhar fatigado, que decidiram enterrar o tempo ausente.

terça-feira, maio 17

Bring On The Night


 

Faltam-me as mãos

maduras de abraços dourados

                               num grito,

o choro

                             da noite onde me abismo,

na incerteza dos desencontros falsificados

                                               como relógios parados

de ponteiros acrescentados.



domingo, maio 1

Carta(s) de amor


nuvens de vento empurram o sol neste sotão de memórias, onde te (res)guardo em caixas coloridas como matrioskas de ar maternal.

sento-me num caixote de madeira, deixando que a claridade vença os recantos de todas as coisas guardadas de ti: postais, anéis, brincos, colares e fios de ouro velho que não reluz agora, o teu bilhete de identidade, o cartão da maternidade, algumas agendas (onde a tua letra me é tesouro) nos recados que me deixavas (junto com o almoço já feito) na minha adolescência de preguiça em férias, antes de saíres para o emprego.

encontro agora o teu passe de autocarro, recorto a tua fotografia e deito-o fora. é assim, sempre que mexo nas tuas coisas, a tentar ficar com o mais importante, o que para mim é tudo. mas é um exercício que faço, para me tentar disciplinar a não ficar tão dependente  de objectos que fazem parte da tua memória.

é difícil desfazer-me seja do que for teu. quando o pai morreu, lá tive que dar os teus vestidos mais bonitos e o robe que ainda estava pendurado atrás da porta, e outras coisas. guardo algumas écharpes e lenços, que não usarei, porque não gosto, mas têm ainda o teu perfume, até porque estão junto com alguns sabonetes Camay (penso que americanos, com que o pai sempre te inundava e que tu recebias com o entusiasmo de uma primeira vez).

sabes (claro que sabes) já sou avó, ou seja sou mãe outra vez e tu continuas longe e eu sinto-me sempre solitária quando é a tua memória que me faz companhia.

dou corda a um dos teus relógios de pulso, com esperança que o tempo volte para trás e tu te materializes aqui na minha frente, a tentares fazer ao mesmo tempo mil e uma coisas enquanto me mimas e me beijas prendendo com uma rapidez hábil a bracelete do relógio, esse relógio antigo de tantas horas que guarda, assim o meu amor numa ampulheta de tempo, em que a areia se recusa a deslizar à velocidade desejada que é parada para que não tenha que te recordar com medo de te esquecer.