segunda-feira, junho 23

Oração


morreu[-se] assim, aos poucos, como que  a respirá-lo nos dias sem mácula, sem aromas nem cores num beijo de encolher de ombros

olhou-a parada, anunciada. de pálpebras abertas ao vento, como quem chora. ou reza.

viu-o desenhado nas montanhas que lhe são corpo, tão seu…
…tão longe de si própria,  na imutabilidade dos dedos pálidos, macerados pelas dores sempre virgens. 

na flor do sorriso aberto à vontade, espreitou-lhe as palavras, desenhou-se no silêncio que a morte ia emudecendo, em surdina de verbos corrompidos pela desentendimento.

o tempo inquieto a secar a boca
louca
na extravagãncia excessiva de já não o escutar. nem falar.

tão só.

desde então, bebe-O  numa oferenda de domingos castos
                                    bastos os dias finitos em que navega o verão.

quarta-feira, abril 16

25 de Abril sempre...


De encontro ao teu beijo de lábios de espanto
esquecido no fundo do corpo ao relento,
em alma de gelo, onde um pecador é santo
acende uma chama num coração cinzento.

Escondido no peito, a revolta de outrora
explode em canções e cravos de Abril
o gesto, o olhar a revolução que demora
nesta democracia encapotada, de gente vil.

E eis que num gesto, recordo o teu sangue
a ferver-me na boca de tanto o gritar,
a tentar salvar-nos deste governo infame,
a salvaguardar direitos que nos querem tirar.

Liberdade, pão, paz e dignidade,
trabalho, saúde, educação
em oportunidades, a igualdade
e 25 de Abril  sempre, no coração.


segunda-feira, abril 7

O Vestido Branco




Corpo dourado, bamboleante, firme nos passos e nos pensamentos por adivinhar, enquanto caminha etérea, vaporosa e livre. Cintilante.



Uma frescura que emana do sorriso rubro. Assim as faces, pelos olhares que desperta. Olhares elogiosos vadios de desejo. Olhares de volúpia ansiada. Olhares de ver para lá do vestido branco. O corpo liberto de tudo, num despudor natural de alma renascida. O peito empinado num desafio constante.



Assim o vento que lhe toca os ombros nus numa transparência esvoaçante.
Pernas ágeis, torneadas pelo vestido rodado e solto.



Os cabelos da cor da pele, tingidos pelo mar de Sol em toques quentes de salpicos salgados , amorangados pelos beijos calientes de um Verão sem memórias.



(E é doce a espuma das maçãs que lhe despertam os sentidos. E é inebriante o perfume da música que lhe toca alma. E são suaves as mãos que a despem do vestido branco, num só gesto de despojo de noites de encantar.)



Então, deixa que o corpo se movimente nos ritmos que sabe de cor, mesmo os inventados em cada momento único, assim o homem que a veste de carícias nas madrugadas que são tardes todas as noites.



Mesmo em noites em que a Lua deixou de ser Cheia, iniciando a fase seguinte até o ciclo se completar.


sexta-feira, abril 4

Guerra e(m) Paz





Escreve(r) notas soltas






páginas em branco






morangos doces






amoras silvestres






pranto






perdas de juízo










nublados






os



olhares



rectilíneos










portas fechadas






pedras marcadas










embalas-me na sedução que recusas










casulo de mariposa






airosa a ventania






com que rodas as pás dos moinhos












pão amassado sem sal






sem água






em lágrimas






doces












azevinho quente






terra ardente












molde de barro






em corpo torneado a frio












cântaro sem asa






brasa



nos



caminhos






meus






os






pés






em desalinho












com direcção sem sentido












soldado desconhecido






(meu)






amor perdido.

segunda-feira, março 10

PURPLE RAIN



apago dos meus lábios o silêncio ensurdecedor, das esquinas dos dias pardos e lamacentos onde se afogam esgares aflitos pelas dores de alma que me atormentam o olhar.

navego no teu corpo de ave infinita, sempre e mais além, enquanto espero as andorinhas que hão-de fazer ninhos no meu peito.

absorvo-me de metáforas numa oração de murmúrios sussurrados ao teu ouvido de mercador de Veneza. aponto-te o luar das nossas vidas que cai sobre as árvores que hibernam.

sorris-me numa névoa de aroma adocicado. e o cachimbo pousado…


fecho-me dentro de mim.

e de mãos dadas com a tua memória, parto com o anoitecer.

quinta-feira, fevereiro 6

PaRaBéNs



chegaste num dia qualquer sem encontro marcado olhar desviado pelo sol das tuas mãos de fauno com que ainda hoje teces mantas no meu corpo debruado a beijos mel. o sorriso depressa foi riso alto aberto e livre como o teu corpo na descoberta do meu amansado que floresce em gemidos...orvalho nas pétalas de veludo cor de fogo o meu corpo... sempre que me olhas e o mundo pára. pairo sobre mim, no abraço que me deves.

cresço em direcção ao azul infinito cor da minha alma. é branco o toque do teu corpo nu meu. há um barco no mar do teu olhar. direi então: na ponte que me leva a ti, o amor é a tua sombra em esplendor sobre o meu corpo poema que inventas a cada instante em que me fazes mulher.

céu de cor púrpura liquidambar cor do meu coração a floresta no peito uma bétula no olhar nas mãos uma canção. E na voz o poema em que sou tua.


O meu coração é um diospiro amadurecido pelo teu amor...

domingo, janeiro 26

Mr. Blue Sky


visto-me de negro. porque há lutos que não sei fazer. e o azul sorri-me no atrevimento do veludo que é a tua memória.

sou vida enquanto te sentir sangue a pulsar no corpo, caminho que respiro, olhar que me leva a casa. florestas que me aguardam, algumas cinzentas, que antes foram fogo.

hoje tudo parece cinzento, os suspiros, os soluços, as tonturas e o dia. apesar do tom de alfazema da minha pele.

sucumbo ao cinzento alheio num verbo novo. perfumado dum veneno que vicia.
as palavras são a intemporalidade da alma, a crescer devagar. na magia das descobertas…

... recolho, escolho os livrinhos de capa negra, onde me escrevia por dentro e por fora  o cabelo ainda curto para entrançar e salpicar de fios dourados as tuas mão de príncipe.

o amor 

d
e
i
t
a
d
o
     numa espera ansiada para se curvar à passagem do meu olhar. que repousa agora.

rodopio em passos de uma dança interminável, sempre que a música preenche a cabeça com o invisível das memórias dos cheiros.

ousei inventar outras sonoridades com que saboreio os dias, em que estás longe.

à medida que caminho, escondo o cinzento dos quadros pintados à chuva, num apetite de caos e adormeço-me.


E antes que a noite chegue tens de ficar comigo.