segunda-feira, maio 29

Cartas às florestas I

 

Foto: CM

Não há flores no meu jardim. Não se vêem, não se tocam, nem se podem colher. Aromas insuspeitos de uma primavera indigente.

Perco-me nos cheiros adivinhados. Entro na floresta e sento-me junto ao castanheiro mais antigo.

Levanto-me e tropeço no estalar de pernadas secas, talvez seja o barulho do meu envelhecer com elas, estas árvores que me conhecem e amparam lágrimas, que por vezes me empurram para precipícios de cores vivas, outras vezes me obrigam a ficar em casa, de tanto que as canso de observar.

terça-feira, abril 25

Quelqu'un m'a dit


 


Inclino-me na noite, encostada à janela que te inventa.

A rua vazia, ecoa murmúrios do dia esgotado pelos lábios desafiantes.

Toques proibidos que ardem como gelo. E um copo de uísque. Glenlivet.

Dedos unidos esfumaçam sensações quase intoxicantes. C i g a r r i l h a s.

As esquinas são testemunhas dessa atracção intensa, e os sussurros de outros amantes misturam-se com os nossos, num êxtase delirante.

Gravado nas almas, o segredo da paixão insana e indomável.

Amanhece.

E corro para dentro de mim.

terça-feira, abril 11

When Love Breaks Down

 



guarda-me,

no lugar insuspeito onde desaguam desejos em vertigem

onde os pássaros fazem ninhos,
e nós morremos vivos

em memórias de doces frutos amadurecidos.


guarda-me
enquanto exiges

que ignore o caminho dos teus lábios


e eu percorro
avenidas, dunas, soleiras, bares,

em noites soluçantes de chuva invisível.


e, da força que me falta, articulo asas
e, da vontade que não tenho, invento caminhos

sem dores nem queixumes,
nesta primavera de esquecimentos

arredondo sorrisos, invoco deuses e alinho os astros.


e, no absurdo,

amo-te.


quarta-feira, março 1

The greateast


 

Avenidas Novas. Passei do assombro ao medo. De não reter as memórias de nós, de mãos dadas.

Bancos de jardim nos passeios, onde pés calçados de juventude pisam os lugares que já foram nossos.

Sinto-me perdida, não reconheço os sorrisos, há tanto que estou estremada ao meu lugar solitário.

Horizontes de néons, prédios e gente em que esbarro, porque correm. E eu quieta a fingir que vejo o mar, enquanto olho o céu.

Entretanto chego ao lugar- comum de todos os encontros.

Sento-me a olhar o rio, o caderno preto à espera da mão que tenta acompanhar o pensamento numa aventura de escrita, letra apressada e indecifrável.

Na outra mão, um uísque velho afogado em amargura decadente.

E permaneço, a fixar o rio até que seja mar.

quarta-feira, fevereiro 15

Desire


 

Não sei porque razão, os meus lábios abrem janelas de par em par, deixando entrar em passos de dança, sorrisos de memórias.

Metáforas que se fundem na paisagem. E o rosto dele a fixá-la como se ainda a esperasse.

Tanto tempo.

E a vontade de o rever, ouvi-lo, vê-lo perto. Tão perto que o pudesse tocar com a boca.


quarta-feira, fevereiro 1

Goodnight Moon

 


Os dedos falam, enquanto aquietam as mãos que dançam em mim.

Labirinto fechado de lugares vagos, pele dócil, rosto de olhar distante, pernas que inventam passos, então.

Construo liberdades que são gritos aprendidos, espaços sem medidas, lábios debruados a abismo.

Sorriste. E amei-te logo ali. 

De alma viva, contagiada pelo céu que o teu sorriso abriu.

terça-feira, outubro 25

When a blind man cries

 

Fixas-me o olhar como quem me olha (n)os olhos, a arriscar encurralar emoções, ensaios a tracejado, amor nos reflexos de esquinas vadias, vazias, aplausos a discursos indirectos, fascínio de noites intermináveis, de aroma a antigos amantes boémios que ainda (me) percorrem de desejo.

Tento em pautas de letras imaculadas, gritar à distância que nos separa, encurtá-la, libertando sopros de suspiros fátuos, enroscando-me em ti, encaracolada de saudades, com a determinação do dia certo que o meu peito alberga em vigília. Ou luto. 

A amar assim, até ser raiz.

quinta-feira, setembro 29

In a bar

 

Foto: CM


Inebriada pela seiva, sentei-me à chuva à espera que chegasses, cintilante, como as cores da queda das folhas outonais.

Rodopiava, mentalmente enlaçada com o teu sorriso de poeta, que me aconchega nas tardes que são noites sem dormir.

Rios de sangue desaguam em mim  feridas que cicatrizo sem te dizer, para que não saibas que existes nos meus sonhos gravados na pele.

A tinta permanente.

A paixão e o amor por definir.

 

segunda-feira, setembro 5

Don't Worry About Me

 




Recuar a memórias, aos dias de flores inquietas, pela brisa suave de um sol de Verão.

 

[Descalça, a chapinhar num fio de água que restava do riacho solto na madrugada.]

 

Sei-te de olhos fechados: a pele macia, o cheiro a amor nos olhos que pousam nos meus, ignorantes de promessas.

 

O arrepio na pele, da surpresa de te ver à porta.

Silêncio.

 

O tempo perfeito neste prolongamento de fio de sémen suspenso.

 

Dá-me a tua boca. Dá-me, dá-te, solta-te, eleva-me.

Na ambiguidade da saudade…

Não digas nada: sente.

 

E eu calada, sôfrega dos teus sussurros nos meus cabelos, a tua língua nos meus ouvidos em busca de mim.

 

Despe-te, deixa a luz acesa.

Loba.

 

O prazer pelo prazer. A intimidade encaixada. Ascendo enquanto gemes, gemo porque a[s]cendes.

Tombamos um no outro. Suspiros. Recuperar o fôlego.

Não dizes nada.

 

 

E só eu sei, o que queres dizer.

quarta-feira, junho 15

Call Me When You Get Home


 

Deixo cair os olhos no pinhal

              e apanho os meus pedaços.

 

A tapar os olhos até as palmas das mãos doerem, pelo rasgo dos ramos da árvore a que trepo

na colheita do fruto proibido,

sempre que ensaio fugas

de ti,

de mim.

 

Lasciva,

esta cor de perfume

                      a escorrer-te pela barba

azul,

de manchas licorosas

almiscaradas, perigosas

que não me

deixam partir.


quarta-feira, maio 18

Show Me


 

É nos olhos que começa o beijo, como se o corpo fosse boca. 

Depois, mãos e lábios perdidos que despem a vontade demasiado rápida de consumir todo o oxigénio e saciar a sede. 

As tuas palavras beijam-me. 

Hoje, os dedos só servem para dizer adeus. 

Saudades. 


E foi com um olhar fatigado, que decidiram enterrar o tempo ausente.

terça-feira, maio 17

Bring On The Night


 

Faltam-me as mãos

maduras de abraços dourados

                               num grito,

o choro

                             da noite onde me abismo,

na incerteza dos desencontros falsificados

                                               como relógios parados

de ponteiros acrescentados.



domingo, maio 1

Carta(s) de amor


nuvens de vento empurram o sol neste sotão de memórias, onde te (res)guardo em caixas coloridas como matrioskas de ar maternal.

sento-me num caixote de madeira, deixando que a claridade vença os recantos de todas as coisas guardadas de ti: postais, anéis, brincos, colares e fios de ouro velho que não reluz agora, o teu bilhete de identidade, o cartão da maternidade, algumas agendas (onde a tua letra me é tesouro) nos recados que me deixavas (junto com o almoço já feito) na minha adolescência de preguiça em férias, antes de saíres para o emprego.

encontro agora o teu passe de autocarro, recorto a tua fotografia e deito-o fora. é assim, sempre que mexo nas tuas coisas, a tentar ficar com o mais importante, o que para mim é tudo. mas é um exercício que faço, para me tentar disciplinar a não ficar tão dependente  de objectos que fazem parte da tua memória.

é difícil desfazer-me seja do que for teu. quando o pai morreu, lá tive que dar os teus vestidos mais bonitos e o robe que ainda estava pendurado atrás da porta, e outras coisas. guardo algumas écharpes e lenços, que não usarei, porque não gosto, mas têm ainda o teu perfume, até porque estão junto com alguns sabonetes Camay (penso que americanos, com que o pai sempre te inundava e que tu recebias com o entusiasmo de uma primeira vez).

sabes (claro que sabes) já sou avó, ou seja sou mãe outra vez e tu continuas longe e eu sinto-me sempre solitária quando é a tua memória que me faz companhia.

dou corda a um dos teus relógios de pulso, com esperança que o tempo volte para trás e tu te materializes aqui na minha frente, a tentares fazer ao mesmo tempo mil e uma coisas enquanto me mimas e me beijas prendendo com uma rapidez hábil a bracelete do relógio, esse relógio antigo de tantas horas que guarda, assim o meu amor numa ampulheta de tempo, em que a areia se recusa a deslizar à velocidade desejada que é parada para que não tenha que te recordar com medo de te esquecer.

quarta-feira, abril 27

Union

 

Conta-me os teus segredos. Tenho alguns para a troca, que te farão querer tocar os meus lábios com as pontas dos dedos, assim 

l e v e m e n t e

como quem dedilha a guitarra no meu corpo em música. Cantada.

Contar os segredos, trocados em suspiros, os meus e os teus.

Agarrar o tempo, nesta primavera de fugas, num turbilhão de olhares, sorrisos cúmplices, tudo o que nos faça desassossegar.

Sussurra os teus segredos, da tua boca para mim, do meu escutar beijado na tua pele.

Vamos beber um café?



terça-feira, abril 26

My Ty She


 
Vem comigo agitar os dias, inventar sorrisos enquanto os teus dedos me arqueiam o corpo colorido pelo teu toque.  Até ferirem de prazer, os meus lábios debruados a beijos roubados, enquanto advinhas o que sinto, ao som ritmado do inalcançável, sempre que dizes amo-te.

sexta-feira, abril 22

Highway To Your Heart


afogo um soluço na mão que não te dou. olhares que se encontram quando

os lábios se esmagam.

 

os teus nos meus, ou nos gestos que se insinuam _________________ escondidos, mordidos. salpicados de sangue, sabor a vermelho quente. de língua. suave e húmida em

beijo

no

céu

da

boca

 

ou simples aflorar. perfume de lágrima. seiva ardente. fechada a boca cativa do gostar. parado o corpo. numa angústia de cor antiga.

 

brilho de iris incandescente __________________ tranco-me por dentro numa tentativa de não.

filamento em

corrente de ouro. sou lua. sou tua.

 

Sou

fuga

e

solidão.

 

reconheces-me [N]a pele firme onde te demoras. recantos perdidos ou engolidos pela pressa de prazer. dar e receber. música clássica, canção de_Verão. cântico, afinação.  velocidade, perdição. anjo caído. amor erguido no cálice, em oração.

 

flutuante o meu coração vadio. jamais vazio. por vezes [de] frio.

 

 

                                                                                         e ____________ ainda

 

 és

 

 rio do meu [a]mar.


quinta-feira, março 10

Trouble

 


Sentada na praia. numa apetência de silêncio. A assistir ao cair da chuva de estrelas moribundas.

Os meus olhos castanhos de sede, vazios de ternuras e palavras. A dor dos lábios. 

Eis que chegas. Já não és o homem, és lobo, cavalo selvagem, céu e florestas.

Sorrio embalada no sonho, acordada.

Emudeci com o teu toque de cetim. Amordaçada pelo teu efeito em mim.

Abracei-te, deixei que me abraçasses, numa viagem de passos rasgados como o teu olhar de luar.

Amámo-nos, sendo tua, sendo plena, as tuas coxas a enlaçarem as minhas, 

num átimo de volúpia e descoberta.


Então ultrapasso as normas.

Rasgo os dias

e sou

a insustentável leveza

da tua vida.

[Em instantes de momentos intensos pelo tempo de atraso.]

segunda-feira, março 7

Substance



Se me estenderes a mão, num sinal de perdão, eu até sou capaz de avançar. Mas o gesto terá de ser teu, se o teu sentir assim o exigir, sem te deixares comandar pelo racional.


Eu nem penso, ainda estou presa num desejo por assumir, em memórias de olhares trocados, ainda sinto as tuas mãos próximas das minhas e o rubor de me adivinhares a não te oferecer resistência e alguma vergonha a atrapalhar-me, ao lembrar a tua boca tão perto da minha, quero pedir-te desculpa mas tu impedes qualquer som, tiras-me o fôlego. E o juízo.



terça-feira, fevereiro 22

This Woman



Respiro-TE em ausências de momentos em que a luz difusa me penetra como se a tua mão na minha fosse ainda o caminho. Lascivos os olhares com que nos bebíamos (S)em pressas que transbordavam de silêncios contidos. Procuras-ME em noites de Lua Cheia, quando me transformo em loba e te devoro em reticências. 

Sabes a pedras salgadas, a fumo de sobro e a flores silvestres, com que me debruas os seios de auréolas rosas em bicos de espinhos. Soltas perfumes de cristais no mercúrio com que iluminas as manhãs que transportamos ao colo, sem que ninguém saiba, em segredo, ao mesmo tempo que me telefonas para dizeres: amo-te.

Finjo que te esqueço, quando o café arrefece o açucar e o chá de menta sabe a deserto na alma que tocas cada vez que me entoas canções e me esperas na esquina onde mais ninguém passa, para não saberem deste amor proibido, celebrado um dia por semana, todos os anos, mesmo hoje, quando o cabelo adourado se desprende dos teus dedos e a barba embranquece as tardes de pecado que não fomos. 

Fazes amor comigo, como se fosse a ultima vez. E para mim, é sempre a primeira, nas descobertas de centímetro a centímetro de ti, de mim.

Eternizo-TE nos cãnticos que jamais escutarei. Fecho os olhos, as pernas, os braços. Fecho-ME contigo dentro de mim e saio em busca de nós, no passado que já não lembro.

quinta-feira, janeiro 20

SpIrAcLe



Esqueço-me de ti recortando as memórias e os  dedos_________________ de olhos fechados numa suave explosão de lembranças que são ruído na frequência modelada dos eus que nos sorriem em desafio numa transparência animada pelo verbo que insisto em agitar.

O coração conta o sangue que me doas em sacrifício de demoras inabitáveis com as cores pálidas do meu respirar em ferida sem mácula_______________________ inquieta a saliva que a boca trai. em suspiros ténues de madrugadas de Abril. cravos com que me perfumas a pele adocicada pela febre de viver.
Empresto o corpo à dor e atravesso o improvável.