sábado, agosto 14

Another Night In


 

Vê-o desesperado com o coração nas mãos

tão longe do sorriso que lhe era feição

(n)a ausência de batimentos, a transpirar medo dos beijos por sentir

longe de si próprio, a respirar orvalhos de manhãs submersas, distantes as lágrimas escondidas

inquietantes as mãos por dar

vê-o e sente-o a perder-se, sem o perder de vista

sem o perder de si

vê-o em poemas por escrever

sento-o quando o chão quase lhe falta

ampara-o no silêncio da dor

música de encantar

num vazio quase crepuscular.


Então resgata-o

sentada na margem das suas histórias

sem  o deixar afogar.

sexta-feira, agosto 6

Pausa

 


Uma sala com um cadeirão de tecido, na mesa uma bandeja com um copo. Um cinzeiro desperta a atenção. Alguém sentado a esfumaçar, olhando o infinito que é finito através da janela de reposteiros abertos. Alguém que entra e enche o copo ‘on the rocks’.

O homem sentado não se mexe, apenas insiste no gesto habitual de fumar. O olhar parece perdido, mas está atento. Vigilante. Espera alguém. Sem esperar.

A sala é elegante, com o toque minimalista de quem está de passagem. Mesmo quando sente falta do conforto das coisas a que chama suas. Pedaços de guardanapos de papel rabiscados. Livros com dedicatórias. Os vinis (con)sagrados...

Repousa o olhar sobre as caixas de cigarrilhas das marcas que experimentou, até se decidir. De acordo com o temperamento inquieto da mente.

Entre alguns objectos, os presentes que comprou e não lhe chegou a oferecer.

Resquícios das viagens que fez. Tenta lembrar-se das que idealizou fazer com ela.

Num movimento de nostalgia adiada levanta-se. Depois de pousar a cigarrilha a meio fumo, corre os reposteiros, pesados de um veludo azul, na penumbra em busca de uma determinada intimidade. Fica estático a ouvir os sons de uns saltos apressados, a tocarem ao de leve a calçada portuguesa. Reconhece o som. Abre então os reposteiros e encosta a cabeça à janela.

Na rua, o trânsito insinua-se intenso, nesta hora de lusco-fusco. Rápida a sombra da silhueta que tão bem conhece. Esguia num equilíbrio circense sobre uns saltos com que já fantasiou noites. Ou tardes como esta que cai, sem anúncio.

Retira os botões de punho, dobrando as mangas da camisa. Sente o aroma do after shave a esvoaçar e fica contente por ter decidido usar o que ela gosta. Apesar de adivinhar que o preferia de barba suave, quando em toques de quase volúpia, lhe acaricia o rosto.

Viaja ao ritmo dos saltos altos a baterem na entrada do prédio, agora num som mais audível, mais perto. As memórias são como os maços de cigarro que ela fuma e tem a mania de amarrotar naquelas mãos tão finas e tão poderosas. Amarota-os duma só vez, embora fique algum tempo a brincar com o maço, na mão esquerda, enquanto termina o último cigarro. Lembra-se tão bem da última vez. Há tanto tempo. Quando conseguiu que ela experimentasse uma cigarrilha. As gargalhadas que deram, com as expressões que ela fez…

…A primeira vez. Ela estava nua, desafiando-o com toda a feminilidade num corpo elegante, quase acutilante. como o olhar felino com que o enfeitiçara. Ali naquela sala.

Lembra-se de ter fechado os reposteiros, de um azul semelhante ao veludo da pele que descobriria mais tarde centímetro a centímetro, num afogar de arrepios.

Era uma tarde de sol.

Lembra-se porque o corpo exposto, mas não oferecido, encandeou-o com o reflexo do sol nos cabelos louros espalhados. Sol que os reposteiros mal fechados deixavam descobrir toda as cores que o calor daquele corpo lhe provocara. Febre. A arder.

Experimentaram-se, depois de tanto tempo a desejarem-se. Mesmo fingindo que não.

Experimentaram-se, vestindo-se um do outro, na nudez que seria pele e coxas. E sexos oscilantes, ansiosos pela explosão dos caminhos proibidos, onde se saborearam. No fim, cada um sabia ao gosto do outro.

[E 

minha solidão é 

uma aresta espetada no meu peito.]

terça-feira, julho 27

Puisque tu me vois d'en haut


 

Desfoco-me nesta inalação de sol

de água salgada e nudez milagrosa

 

O luar de agosto em julho

orgulho a rimar com saudade

 ou desgosto

Epifania contínua

esguia

esquiva

 

Num somatório de dias solitários

raras as tardes que não anoitecem

e me apunhalam

o ventre dorido de tanto parir dores

 

e eu

quase vazia de ternuras e

 

a-d-o-c-i-c-a-d-o-s

predicados

 

quase vazia de palavras

apenas a música que se insinua

ainda me habita

e este amor amassado pelo abraço distante.


domingo, julho 18

Fly by Night

 



Desenho-te nas ondas

com estes dedos de  marés vivas de espanto

a distância é o lugar onde a saudade se demora

(n)à flor dos lábios

 

o olhar inquieto de todas as interrogações

cem respostas

numa urgência infantil de toques de asas,

como a migração das almas

maceradas pelas cores

[ou beijos?]

 

sorri(s)o  sacro, quando te sinto em mim

i n e q u í v o c o,

como o perfume das manhãs iluminadas, quando chegas.


terça-feira, junho 15

Johnny & Mary

 


Escrevo-te

no (in)verso do poema onde a solidão de ti me habita,

tu estás lá (estás?)

e, no cetim de um leito que não mereço,

existe o vazio

do sorriso fechado

desenha(n)do no meu corpo pálido,

palavras rotineiras, sacramentais, vazias.

 

Sentada no banco da Avenida,

abrando o coração acelerado de memórias

hesito no caminho a seguir,

fecho-me por dentro

numa tentativa de verão tardio

nesta espera de abandono, porque nem sei se virás

olhar-me nos olhos e perdoar-me o carácter,

nesta escuridão de silêncio excessivo,

provocador e mastigóforo.

 

E sem insistência,

a noite tomba nas minhas mãos de ninhos vazios

suspiro, inspiro, respiro enfim.



domingo, junho 6

I'm Not In Love?

 



És tu? (Pura retórica)

Neguei tantas vezes o que parecia óbvio, que quando o sentimento rebentou no meu peito, receei terem passado os momentos certos.

Encaixo-me em ti, completo-me nas tuas frases, sou livre nos teus passos.

Amar é transpirar sal de lágrimas de riso, parar gestosGritar silêncios contidos nas músicas que me dedicas. Em poemas.

Hei-de lembrar-me sempre deles, até mesmo quando me esqueço de mim, e deambulo descalça pela noite, que afinal é dia por amanhecer.

Abraça a minha pele e deixa lá fora o mundo.

Vamos beber-nos.


terça-feira, março 9

One More Second

 

Foto: CM

Viajo anónima

na incerteza dos nossos olhares insuspeitos, 

canto, como que afogada em lágrimas

e desfaleço

faminta

da eternidade nas minhas mãos em concha na definitiva espera do teu corpo,

da ausência da alma 

nesta intrínseca urgência

que me tinge o olhar de um azul inventado,

como se fosse fácil

guardar o tormento do estridente som do silêncio.


sexta-feira, outubro 23

Calling Out





 


Esta fome sem nome (sede?)

onde te canto (conto?)

em encontros imaginários ,

de afagos e(m) sonho

e o meu corpo findável (suportado apenas por tanta paixão na alma)

a minha mão  a acenar-te, ao balcão do Cave

a minha face lívida, a  tentar acordar-te para uma última dança

num desassossego daquela especial música rock, alternativa, independentemente do momento

sempre a surpreender

(mas somente silêncio
ao cair de todas as tardes que se tornavam noites).

Pergunto-te: mais um copo?

Ignoras-me num desvio cobarde de olhar

Como se nunca tivéssemos sido

Mesmo quando assolados pela inquietude serena

De batimentos cardíacos em uníssono


Nada mais a dizer(-te)

Já não me importa que não venhas

o tempo apenas é (um enquadramento) 


sei que um dia, sentirás a minha falta

pois a partida está para breve

talvez então entendas

o fulgor do meu rosto escarlate apesar da palidez do meu corpo

sem vida

sem música

sem sangue. Sem gritar.


sábado, outubro 3

You'll Follow Me Down

 



Rendeu-se ao aroma homogêneo dos antissépticos. 

E no silêncio metálico da solidão, o prenúncio da falta de ar.

Precisa respirar o sol, mas só consegue absorver a ferrugem do luar de agosto. E já em outubro, esperando milagres. A própria imagem esbatida, desfocada no espelho.

A pele da alma é indescritivelmente doce. O corpo ascende ao céu.


Dor nos lábios, de tanto os fechar para não gritar.


quarta-feira, setembro 23

In the Capital

 

Perdeu a fome, esqueceu a sede e imagina apenas a boca dele a sorrir.

De saudade? 

Todos os dias, de olhos rasgados pelas feridas que não cicatrizam, se 

esvai em sangue, o corpo  dobrado em  náuseas violentas, dores internas vomitadas, num 

início  de viagem que a  transporta para outro universo. 

É de chumbo, a falsa sensação de leveza. A inconstância  dos passos levou-a até lá, ao lugar dos olhos húmidos, deixando-a ficar adormecida nas  memórias dos abraços. 

Tanto tempo. Tanto. E nem mesmo assim, tentou secar os olhos dela com as suas mãos de abandono de despedidas disfarçadas.

Naquele fim de tarde, ela finalmente  chorou, afAgando-o numa incerta precisão. 

Ficaram alguns minutos naquele contacto  visual, a trincar os cubos de gelo, mas era mais o vidro fino  do copo que ela sentia a entrar-lhe na boca, do que o líquido.

 Toco-te. 

Seiva arrepiada no toque das palavras. 

EU disse FICAAcho que TU não ouviste. 


Ficámos a tomar a nossa cerveja. Estupidamente gelada.

E mais nada. Nunca mais.



.

 

quarta-feira, junho 17

Victims over Victors




Diz!

E tu pedes-me silêncio. (Numa profanação das minhas saudades imensuráveis, quase dolorosas).

Espero-te.

Adivinho-te a chegar, com esta minha imaginação poderosa, que (me) torna  dormente, a mente.

Preciso de não te esquecer. Areias movediças, corpos ondulantes, sôfregos, perigosamente perto.

A pele é íman.

Vejo-te prismado em mim, a aniquilação é inevitável.

Sei o que quero. Caminho nas escolhas, passos que imagino nas areias do meu deserto,  e que me são oásis.

Calçar ou calcar a dor? Não a esmago, aprendo-a. Enfrento-a na liberdade de caminhar no sentido oposto.

E sou livre.

sábado, fevereiro 22

La Décadanse






e naquele dia o teu olhar foi o princípio do (a)mar desenfreado, em constantes encontros que eram sempre breves. ausência vítrea na capela isolada. corpos vestidos de desejos nus. almas cúmplices de olhares que beijam. fugazes. fugidios. audazes. por vezes incapazes. eutanásia cega de sentidos. morri de pé como os soldados cegos, enganados pela vitória que se misturava com o gás nas trincheiras.

trazes nos cabelos, o vento da minha liberdade inquieta. eco de gritos surdos ou agudos, já nem me lembro bem. apenas te sei devoluto. presente abandonado. não me vês, porque não me olhas. (sor)rio ondulante de secura extrema. árvore tombada de raiz nua. sou ave presa. sou pressa, sou poema que escreveste, na véspera daquele dia.

quinta-feira, outubro 31

Do you remember me?




Voltei a escrever sobre mim, nos cadernos antigos, de capa preta que guardava em lugares ocultos, e quase me comovo, por não reconhecer depois, a minha letra.


O vento que faz esvoaçar as folhas, traz um aroma a baunilha e os beijos que lá guardo, de sabores vários, imperceptíveis a todos os palatos, excepto ao meu. 

Dos teus lábios perfumados, tatuados na minha pele.

Quando me deixava morder ao de leve, sentindo-te. 

S a b e n d o - t e.

Degustando-te poro a poro, num envolvimento de almas nos corpos invisíveis.

Engolir-te em rajadas respiradas num sufoco de quase dor.

Toco-te

E trago comigo todos os aromas, sabores e cores que já foram.

quarta-feira, setembro 12

Saudade leva-me contigo




Amor inquietante no naufrágio dos dias.
Habito ainda, o coração dos pássaros que esvoaçam no teu peito.
Tardes inexoráveis de dedos imaculados, e que ainda me tocam os ombros nus.
Respiro(-te) o hálito, sorvo-te o beijo, absorvo-te inteiro.
Esqueço-me, lembro-te, nas horas breves de todos os dias.

Descanso nas memórias, e afugento a tristeza, com um gesto pálido de indiferença.

quinta-feira, abril 28

Pedra da Lua










em Dezembro

as chamas dos olhares gelaram

de fogo insano

as mãos dadas nos caminhos que jurámos percorrer


corpo a corpo de pele na pele


almas que vivem em suspenso nas tríades


notas soltas nos corações desabrigados dum Inverno inconsequente



invento-te em amores ilícitos


paixões eternas que duram enquanto a memória permanece

impura
a neve
do meu d.e.sc.o.n.t.e.n.t.a.m.e.n.t.o

morte anunciada no preludio duma lágrima

vida afugentada pelo sorriso do indigente

ardente a carne viva em primaveras de azul

amo-te quando te esqueço

a
p
a
i
x
o
n
a
d
a
m
e
n
t
e


enfraqueço a fragilidade dos espelhos


que já não (me) reflectem

ouso palavras


gestos r.e.p.e.t.i.d.o.s


afundo-me na terra

e

sou raíz.

sábado, abril 2

Someone (exactly) Like You,


Não sei. Não sei como vou viver sem ti. Mais órfã que viúva, porque não morreste, nem nunca morrerás primeiro que eu. Não sei se sabes deste amor que não sabe ser.

Não sei quantas lágrimas aguento, não sei quantos beijos não te dei.
Não sei, não sei.

Abro a porta da igreja e desafio a obediência, de olhos vendados. A lembrar dias que não tivemos. Ensopados de história. E estórias. Tanto de muito.

E dizes-me que o importante é eu sentir-me bem. Sentirei, quando deixar de (te) sentir... 
...A primavera que tarda no teu olhar de música. 

Quando parti para o deserto, disseste-me… O que foi mesmo que escreveste? Devo ter guardado algures, nesse tempo nem imaginava que não eras de poemas e ainda hoje não sei se é um excerto, ou se era já a tua alma a tocar a minha. Não sei.


Desejava que ele a beijasse. E ela, de olhos abertos a ver o beijo…
… mas antes, de olhos nos olhos.

Depois de olhos fechados, na imaginação em que os beijos existem e na intensidade  que se adivinham todos aqueles que ainda não foram dados.


Se me amas[te]?

Não sei, não sei...

sábado, dezembro 26

Esqueço-me de respirar cada vez que me beijas



abro esse dia. na vontade de esquecer a distância.
descalço os teus passos a caminho do lodo. nesse caminho em que a lâmina te trespassou o peito de verde pinho. feito ninho. de aves loucas, opacas de sal. mar que me faz onda a rebentar aos teus pés de amo. senhor. espanto [a dor]. sempre te reconheci pelo reflexo de lua. cheia. apneia. encantado o tempo das romãs mais-doces-que-as-maçãs-que-me-descascavas.

meu olhar de lava.
lava o meu olhar.
lava 
leva.
abro os olhos.    
e____________________ fechas a memória da noite com os meus pulsos em sangue___________________ nas tuas mão de príncipe. 



domingo, abril 12

ConVento (ou a escolha de Ana)





milagre de flores num vestido branco

hábito

manchado

de sangue puro acontecer

eremita de desejos aprisionados

castos

em celibato virgem


i.n.v.o.l.u.n.t.á.r.i.o


o toque

nus cabelos dourados


coroas de rosas

sem espinhos


caminha descalça de mão dada com a dor


ermida da memória

onde o vento leva as promessas

palavras

na cor do santuário


sim, meu anjo amo-te em cascatas de notas musicais


sorris na distância dos quilómetros que não digo

fotografas monumentos que constróis em nossa honra


arquitecto de amores plurais

onde

sou singular.


As madrugadas são manhãs por acontecer.


Sorrio ao mar que me aguarda


escarpas rasgadas na descida sem retorno

danço ao som do eclipse lunar

solstício de verão a chegar


fecho os olhos, as mãos, a boca

neste caminhar

onde o meu corpo se abre em alma

para o teu entrar.




sexta-feira, fevereiro 6

I Don't Think About You Anymore But, I Don't Think About You Anyless




Abriu a carta, de olhos aguados e a pele gasta, encolheu os ombros, num estado de inquietação,  esperando a última hora.

Sumarentas marcas indeléveis em labirintos dissimulados, enroladas em destinos escritos, gemidos em vez de ser,  feitos pudores. Ou altares.

Deixou-se molhar pelos contornos de um  orvalho disforme, então fragmentos duma  serenidade ansiada, com todos os nadas inteiros, adornados na alma.


E naquela provocação, sedução, a espera era quieta, cristal infalível. 
E rendi-me, rendada.

Dói-me o coração, iluminam-se janelas num torpor imoral, a parecer poesia com aroma de cigarrilhas. 

Tenho a pele salgada de palavras desenhadas nos muros par[a]dos. Uns arrepios indiscretos, o lu[g]ar vazio.

I-m-a-g-i-n-o.

E enterro o tédio num gole de cerveja, com promessas dobradas em ladrilhos de luz néon.

Subitamente, a vida segue de mansinho.