sexta-feira, dezembro 10

Noite 212

 

sabes onde descobrir-me, enrolada em mim, sabes onde fico presa, enredada em teares de seda pura, em sonhos devolutos e madrugadas de abril vermelho, o mesmo das papoilas que baloiçam ao vento que insiste em levar-me, nua, despida com ternura, de mãos cheias de chuva e pele alva de neve azul.

a mesma com que me abraças à distância dum rio cor de mar e musgo.

e então, sorrio à dor que ainda não é morte. talvez sorte. de principiante, mesmo repetente. ausente, dúvida latente. dívida carente. fermento, adubo, presente.

sexta-feira, novembro 19

Gallipoli


 

Sinto os teus dedos

num respirar do abraço 

beijo de sílaba

corpo arqueado,

em desejo solfejo melodia,

que continues a esperar-me todas as noites,

sempre que a chuva dança em mim 

nesta paixão desenfreada, 

que confundo com amor.

 

Delírios de primaveras maduras

as guerras dos sentidos,

eu entontecida

o teu olhar faminto,

segredo revelado

a sul, 

onde o sol é navio.

 

E a tua mão pousada no meu peito.

quinta-feira, novembro 18

Time to go


 

Dá-me a mão, senta-te comigo junto ao lago dos cisnes, que perdura no bailado do meu olhar.

Dá-me a mão, enquanto percorremos a Marginal, ao som das tuas escolhas que me cativaram. A tua mão esquerda no volante e a música acelerada como o meu coração.

Dá-me a mão, sempre a direita, quando passeamos pelas Avenidas e deixas nos passeios, aroma a baunilha e nos meus lábios, o sabor a cigarrilhas (que agora fumo).

Lembra-te das palavras que moram nos livros, dança ao som das canções que me ofereceste, e viaja até onde a imaginação te levar.

Dá-me a mão. E abriga-te comigo, aqui, comigo. Dentro no meu peito. Nesta mistura de calor de pele, onde flutuo para além de ti.

Náufraga desse teu after shave inebriante, presa no teu sorriso de olhos fechados.

A tua voz fere como a noite mais solitária, quando saio para a rua deserta e danço ao ritmo da chuva.

Vislumbro-te ao longe, sem seres sombra ou apenas silhueta.

 

Então abrigo-me. E já não choro. Apenas reconheço a simplicidade da imensidão.

quarta-feira, novembro 17

Noite 1001


 

Cântico final com(o) prata oculta, sa(n)gra(n)do o dia de expiação em que decido morrer, num abandono exacto em soluços incandescentes, esculpindo memórias despidas de aromas, apenas gravadas a fogo no peito desajeitado pelo horizonte longínquo, em que te sei ávido das minhas formas, como eu da tua alma.
Danço então, até o rubor das faces iluminar os jardins proibidos, onde te seduzo em troca da tua voz de anjo numa inquietude erótica e mortal, que é esta paixão faminta, numa cadência sôfrega e insaciável, como os amores distantes que ecoam nas cartas guardadas, amarrotadas e lançadas ao mar, ondulando até submergirem patéticas e solitárias (como todas as cartas de despedida da vida e dos amores que se despem) abandonados num labirinto de verbos inflamados de violetas desfeitas pelo beijo violento.
Saio assim de mim, a tentar inventar um novo silêncio que se estenda até à música, que será tudo o que levo, ao fechar-me comigo, trancando-me por dentro, na praia onde o piano descansa, elevando-me aos céus, para que saibas que é chôro, quando a chuva te refrescar o rosto cansado, por tanto que me procuras.

terça-feira, novembro 16

Wonder



Quero falar-te de um filme a preto & branco, em que fomos protagonistas, em tardes escaldantes de desejos ansiados.

Há tanto tempo, que nem sei se foi realidade ou ficção.

O meu peito albergava então, uma força indomável, uma sede dos teus lábios, que nunca saciei.

O teu olhar magnético prendia-me não só o olhar, mas também os gestos que sempre fluem para ti. Ainda agora.

Em mim mora agora o vazio da cidade, despida de ti.

Da tua memória, apenas as luzes de néon, numa espécie de vestígio, que se agitam numa quase musicalidade e me incitam, quase todas as noites, a descer para a rua, em busca de ti.

sexta-feira, outubro 29

Shadow







Detenho-te 

nesta saudade dorida, 
memorizo o teu perfume, s-o-l-e-t-r-a-n-d-o o teu nome,
orando, 
para que ainda permaneças,
dedico-te músicas e palavras, 
mais longe e mais alto, cada vez mais alto,
como uma arquitecta sem noção dos limites 
nesta construção
cada vez mais reincidente.

Brevemente a noite acontece.

Amanhece nas minhas mãos, o teu olhar
a escutar  simplesmente, a primavera. 

Nostalgia que tomba sobre as árvores 
em uníssono
um oceano,
um pássaro, um barco,
um rio,
entre as margens da estrada
e do meu corpo
a memória da tua alma, meu amor,
o milagre de ti, inolvidável,
em mim tatuado.

E na grandiosidade dos caminhos
e dos milagre bordados a ouro, 
a transbordar sabores de baunilha
em ascensão aos teus lábios de silêncios,
cintilam sombras de mim.



segunda-feira, outubro 25

Nine Million Bicycles

 



Ainda guardo junto ao peito afagado pelas flores 

que desabrocham durante a noite,

parte de ti.

 

Letras que leio de olhos abertos

desenhadas sob a pele,

num ondular de ancas que só tem fim

quando a manhã chega.

 

Confesso, sem arrependimento

as saudades

que o vento não leva.

 

E vou, despida de sons

e num suspiro,

em que me deixo asfixiar

ligeiramente,

para intensificar promessas

que já nada significam.

 

E continuo em fuga, desde que te foste. Ou fui eu que parti?

sábado, outubro 23

The wisp sings


 Resgatas-me.

 

E irrompem devagar, sem avisar as saudades, que já não sei, se minhas, se tuas.

 

Sobem, como mãos impacientes, ferventes, deixando uma marca a ferro quente no meu peito. 

 

Prendem-me a alma, balançam-na, atiram-na de encontro às memórias que afinal ainda me lembram de ti. 

 

Colam-se à pele, essas saudades, a florir olhares, enquanto beijas o meu rosto, e me desabotoas, devagar, numa vertigem nocturna.

 

Viajamosos para outro tempo, para outro lugar, dimensões que eternizamos, só nossas.


E irrompem devagar, sem avisar as saudades, que já não sei, se minhas, se tuas.

quinta-feira, outubro 21

Iris

 



Não foi o olhar que evitou o meu, foi o murmúrio de uma sedução adocicada, quando eu cheguei, atrasada, desencontrada, despenteada, meia perdida. 

Envergonhada.


Senti-me num filme em realidade paralela, e noutra dimensão  para além da liquidez dos sentidos. Encurtei conversas, partilhei segredos, até recear ter falado demais. Fez-me doer. Especialmente quando o silêncio me causou vertigens num reflexo onde ainda hoje não me consigo ver.

Senti-me a arder pela ausência de momentos tão longos de silêncio.

Depois uma distânciaque é mágoa inapelável, num labirinto de pálpebras fechadas onde me deito sem dormir.


A morrer-me aos poucos, em desmaios consecutivos… 

sexta-feira, outubro 15

I love your way



 

Escuto o Outono em brandos olhares, 

as minhas mãos nas tuas para sempre enquanto durar,

em sonho de inércia vencida,

ruas que são florestas que ousei percorrer

como aventura, despida de folhas.


E o amor é,

aroma vitória

química e física

onde as leis são troca de corpos e almas a tocar corações em uníssono,

como esta corrida de letras sem fim,

ou nexo

numa catarse habitual de música e cores

reactivas

subversivas,

interacção crepuscular

bruma ousada,

espaços vazios,

quando chove em mim.


E eu sorrio

mesmo quando não sei de ti.

terça-feira, outubro 12

Upside down (Ler também debaixo para cima, please)


 


A meia luz do amanhecer confidencio-te silêncios lavrados

das incertezas inequívocas,

o aroma do voo linear dos pássaros,

no resgate infindável da memória com que te esqueço

[num]

devagar

vagamente doloroso,

como se as árvores me fizessem umbigo da terra _____________________

embalando-me a alma obscura

numa oferta de música,

e água fresca

no desalinho malicioso de fogo posto.


segunda-feira, outubro 11

Deixa me olhar

 

Foto: CM

Corpo aceso pelos teus dedos em orgásticos gemidos os olhares que se t(r)ocam.

Absorvo-te. 

O deslizar das tuas mãos pelo solfejo da pele que desenha horizontes

 _______________ inatingíveis na memória das tardes,

soletradas de trás para a frente para ninguém entender

 ___________ os desenhos que te faço sem entrelinhas de vida dispersa

 e incompreensível,

quando fujo de tudo à pressa sem olhar,

para ficar só

com a imaginação

distante do [a]mar

que me basta.


terça-feira, setembro 21

I'm In Love With


 Prenúncio aniquilado pelos dias

de beijos ,

que não cabem na minha boca

de tanto os segurar,

em sombras iluminadas pela nudez da noite

caída a meus pés, 

como a tua memória sombria,

imaculada,

lapidada,

pelo instante moldado pelo tempo

como corpo (s)em alma

errante,

o dia a dia de silêncio

em que viva,

morro.


quarta-feira, setembro 8

Fool Of Me

 

Foto: CM


Revolta nas ondas de um mar selvagem,

água que me quase fez morrer de tanta sede

que tenho de ti,

ou será o sal dum olhar distante

do silêncio constante,

que me paralisa,

muda

quieta

breve

e insondável,

inacessível o fruto proibido, doce, em suco bebido

de um trago

as faces coradas do sol (ou será dos teus pensamentos?)

a pele macia pela areia  a polir instantes.


Devolve-me o meu aroma preferido

baunilha

adocicado pelo fumo dos meus cigarros novos,

numa cor líquida de paisagem, onde não te encontro.

 

Devolve-me o navegar impreciso

na deriva do voo das abelhas,

em que a vida se renova e o meu amor tropeça.

 

quarta-feira, setembro 1

Cheiro a terra molhada


Foto CM
 

Sempre que se despediam, demoravam os olhares nos lábios de cada um, como que a pedir beijos, antes roubados, salgados, como se a dor de os mordiscar fosse doce. E imprescindível.

A chuva na terra, em tempestades de relâmpagos trovões e apagões, deixa um cheiro a fecundação precoce.

Enlaça-a pela cintura, para que o vento não a leve, leve agitar de sacudir de ombros. A decalcar-lhe a mão no braço, como marca de posse.

Ela tenta libertar-se numa quase dança, deixando que a chuva lhe amarrote a túnica étnica que lhe cobre os tornozelos, e lhe faça escorrer os cabelos e o olhar húmido de desejo escondido.

O hálito perfumado do novo tabaco de cachimbo, ficou colado na boca dela, depois de lhe ter pressionado suavemente os lábios, como que a saborear-lhe a memória dos sempre apetecidos.

Ela não diz nada, saboreia o perfume intenso, cerra os olhos a tentar libertar-se deste amor.

Paladar de baunilha, tanto doce de aroma e cor. Amarelo.

A chuva há-de voltar, e entre trovões e relâmpagos, hás-de beijar-me nesse regresso adiado, hás-de tomar-me num abraço rodopiante, entornar-me de novo os sentidos, fingirmos que não somos indiferentes, quando apenas estamos diferentes.


quinta-feira, agosto 26

Today

 



Olhar marejado de ausência

trovoada de corpos (s)em almas

pena_das

palavras não ditas.

 

O chão que nos falta, o céu que nos protege

___________ adocicado o chá do deserto.

 

Retomo o silêncio no aroma antigo de cigarrilhas que já não fumo,

fogo  claro no excessivo da luz

em águas mornas da fluidez dos dias,

como no início do mundo

a gestação das tardes finitas,

noites que não chegam

mas tombam,

no lodo do meu peito

lama desenhada esquina

na desfaçatez do deslumbre ignorado.


Sangue seco, enfim.


sábado, agosto 14

Another Night In


 

Vê-o desesperado com o coração nas mãos

tão longe do sorriso que lhe era feição

(n)a ausência de batimentos, a transpirar medo dos beijos por sentir

longe de si próprio, a respirar orvalhos de manhãs submersas, distantes as lágrimas escondidas

inquietantes as mãos por dar

vê-o e sente-o a perder-se, sem o perder de vista

sem o perder de si

vê-o em poemas por escrever

sento-o quando o chão quase lhe falta

ampara-o no silêncio da dor

música de encantar

num vazio quase crepuscular.


Então resgata-o

sentada na margem das suas histórias

sem  o deixar afogar.

sexta-feira, agosto 6

Pausa

 


Uma sala com um cadeirão de tecido, na mesa uma bandeja com um copo. Um cinzeiro desperta a atenção. Alguém sentado a esfumaçar, olhando o infinito que é finito através da janela de reposteiros abertos. Alguém que entra e enche o copo ‘on the rocks’.

O homem sentado não se mexe, apenas insiste no gesto habitual de fumar. O olhar parece perdido, mas está atento. Vigilante. Espera alguém. Sem esperar.

A sala é elegante, com o toque minimalista de quem está de passagem. Mesmo quando sente falta do conforto das coisas a que chama suas. Pedaços de guardanapos de papel rabiscados. Livros com dedicatórias. Os vinis (con)sagrados...

Repousa o olhar sobre as caixas de cigarrilhas das marcas que experimentou, até se decidir. De acordo com o temperamento inquieto da mente.

Entre alguns objectos, os presentes que comprou e não lhe chegou a oferecer.

Resquícios das viagens que fez. Tenta lembrar-se das que idealizou fazer com ela.

Num movimento de nostalgia adiada levanta-se. Depois de pousar a cigarrilha a meio fumo, corre os reposteiros, pesados de um veludo azul, na penumbra em busca de uma determinada intimidade. Fica estático a ouvir os sons de uns saltos apressados, a tocarem ao de leve a calçada portuguesa. Reconhece o som. Abre então os reposteiros e encosta a cabeça à janela.

Na rua, o trânsito insinua-se intenso, nesta hora de lusco-fusco. Rápida a sombra da silhueta que tão bem conhece. Esguia num equilíbrio circense sobre uns saltos com que já fantasiou noites. Ou tardes como esta que cai, sem anúncio.

Retira os botões de punho, dobrando as mangas da camisa. Sente o aroma do after shave a esvoaçar e fica contente por ter decidido usar o que ela gosta. Apesar de adivinhar que o preferia de barba suave, quando em toques de quase volúpia, lhe acaricia o rosto.

Viaja ao ritmo dos saltos altos a baterem na entrada do prédio, agora num som mais audível, mais perto. As memórias são como os maços de cigarro que ela fuma e tem a mania de amarrotar naquelas mãos tão finas e tão poderosas. Amarota-os duma só vez, embora fique algum tempo a brincar com o maço, na mão esquerda, enquanto termina o último cigarro. Lembra-se tão bem da última vez. Há tanto tempo. Quando conseguiu que ela experimentasse uma cigarrilha. As gargalhadas que deram, com as expressões que ela fez…

…A primeira vez. Ela estava nua, desafiando-o com toda a feminilidade num corpo elegante, quase acutilante. como o olhar felino com que o enfeitiçara. Ali naquela sala.

Lembra-se de ter fechado os reposteiros, de um azul semelhante ao veludo da pele que descobriria mais tarde centímetro a centímetro, num afogar de arrepios.

Era uma tarde de sol.

Lembra-se porque o corpo exposto, mas não oferecido, encandeou-o com o reflexo do sol nos cabelos louros espalhados. Sol que os reposteiros mal fechados deixavam descobrir toda as cores que o calor daquele corpo lhe provocara. Febre. A arder.

Experimentaram-se, depois de tanto tempo a desejarem-se. Mesmo fingindo que não.

Experimentaram-se, vestindo-se um do outro, na nudez que seria pele e coxas. E sexos oscilantes, ansiosos pela explosão dos caminhos proibidos, onde se saborearam. No fim, cada um sabia ao gosto do outro.

[E 

minha solidão é 

uma aresta espetada no meu peito.]

terça-feira, julho 27

Puisque tu me vois d'en haut


 

Desfoco-me nesta inalação de sol

de água salgada e nudez milagrosa

 

O luar de agosto em julho

orgulho a rimar com saudade

 ou desgosto

Epifania contínua

esguia

esquiva

 

Num somatório de dias solitários

raras as tardes que não anoitecem

e me apunhalam

o ventre dorido de tanto parir dores

 

e eu

quase vazia de ternuras e

 

a-d-o-c-i-c-a-d-o-s

predicados

 

quase vazia de palavras

apenas a música que se insinua

ainda me habita

e este amor amassado pelo abraço distante.


domingo, julho 18

Fly by Night

 



Desenho-te nas ondas

com estes dedos de  marés vivas de espanto

a distância é o lugar onde a saudade se demora

(n)à flor dos lábios

 

o olhar inquieto de todas as interrogações

cem respostas

numa urgência infantil de toques de asas,

como a migração das almas

maceradas pelas cores

[ou beijos?]

 

sorri(s)o  sacro, quando te sinto em mim

i n e q u í v o c o,

como o perfume das manhãs iluminadas, quando chegas.