domingo, maio 1

Carta(s) de amor


nuvens de vento empurram o sol neste sotão de memórias, onde te (res)guardo em caixas coloridas como matrioskas de ar maternal.

sento-me num caixote de madeira, deixando que a claridade vença os recantos de todas as coisas guardadas de ti: postais, anéis, brincos, colares e fios de ouro velho que não reluz agora, o teu bilhete de identidade, o cartão da maternidade, algumas agendas (onde a tua letra me é tesouro) nos recados que me deixavas (junto com o almoço já feito) na minha adolescência de preguiça em férias, antes de saíres para o emprego.

encontro agora o teu passe de autocarro, recorto a tua fotografia e deito-o fora. é assim, sempre que mexo nas tuas coisas, a tentar ficar com o mais importante, o que para mim é tudo. mas é um exercício que faço, para me tentar disciplinar a não ficar tão dependente  de objectos que fazem parte da tua memória.

é difícil desfazer-me seja do que for teu. quando o pai morreu, lá tive que dar os teus vestidos mais bonitos e o robe que ainda estava pendurado atrás da porta, e outras coisas. guardo algumas écharpes e lenços, que não usarei, porque não gosto, mas têm ainda o teu perfume, até porque estão junto com alguns sabonetes Camay (penso que americanos, com que o pai sempre te inundava e que tu recebias com o entusiasmo de uma primeira vez).

sabes (claro que sabes) já sou avó, ou seja sou mãe outra vez e tu continuas longe e eu sinto-me sempre solitária quando é a tua memória que me faz companhia.

dou corda a um dos teus relógios de pulso, com esperança que o tempo volte para trás e tu te materializes aqui na minha frente, a tentares fazer ao mesmo tempo mil e uma coisas enquanto me mimas e me beijas prendendo com uma rapidez hábil a bracelete do relógio, esse relógio antigo de tantas horas que guarda, assim o meu amor numa ampulheta de tempo, em que a areia se recusa a deslizar à velocidade desejada que é parada para que não tenha que te recordar com medo de te esquecer.

quarta-feira, abril 27

Union

 

Conta-me os teus segredos. Tenho alguns para a troca, que te farão querer tocar os meus lábios com as pontas dos dedos, assim 

l e v e m e n t e

como quem dedilha a guitarra no meu corpo em música. Cantada.

Contar os segredos, trocados em suspiros, os meus e os teus.

Agarrar o tempo, nesta primavera de fugas, num turbilhão de olhares, sorrisos cúmplices, tudo o que nos faça desassossegar.

Sussurra os teus segredos, da tua boca para mim, do meu escutar beijado na tua pele.

Vamos beber um café?



terça-feira, abril 26

My Ty She


 
Vem comigo agitar os dias, inventar sorrisos enquanto os teus dedos me arqueiam o corpo colorido pelo teu toque.  Até ferirem de prazer, os meus lábios debruados a beijos roubados, enquanto advinhas o que sinto, ao som ritmado do inalcançável, sempre que dizes amo-te.

sexta-feira, abril 22

Highway To Your Heart


afogo um soluço na mão que não te dou. olhares que se encontram quando

os lábios se esmagam.

 

os teus nos meus, ou nos gestos que se insinuam _________________ escondidos, mordidos. salpicados de sangue, sabor a vermelho quente. de língua. suave e húmida em

beijo

no

céu

da

boca

 

ou simples aflorar. perfume de lágrima. seiva ardente. fechada a boca cativa do gostar. parado o corpo. numa angústia de cor antiga.

 

brilho de iris incandescente __________________ tranco-me por dentro numa tentativa de não.

filamento em

corrente de ouro. sou lua. sou tua.

 

Sou

fuga

e

solidão.

 

reconheces-me [N]a pele firme onde te demoras. recantos perdidos ou engolidos pela pressa de prazer. dar e receber. música clássica, canção de_Verão. cântico, afinação.  velocidade, perdição. anjo caído. amor erguido no cálice, em oração.

 

flutuante o meu coração vadio. jamais vazio. por vezes [de] frio.

 

 

                                                                                         e ____________ ainda

 

 és

 

 rio do meu [a]mar.


quinta-feira, março 10

Trouble

 


Sentada na praia. numa apetência de silêncio. A assistir ao cair da chuva de estrelas moribundas.

Os meus olhos castanhos de sede, vazios de ternuras e palavras. A dor dos lábios. 

Eis que chegas. Já não és o homem, és lobo, cavalo selvagem, céu e florestas.

Sorrio embalada no sonho, acordada.

Emudeci com o teu toque de cetim. Amordaçada pelo teu efeito em mim.

Abracei-te, deixei que me abraçasses, numa viagem de passos rasgados como o teu olhar de luar.

Amámo-nos, sendo tua, sendo plena, as tuas coxas a enlaçarem as minhas, 

num átimo de volúpia e descoberta.


Então ultrapasso as normas.

Rasgo os dias

e sou

a insustentável leveza

da tua vida.

[Em instantes de momentos intensos pelo tempo de atraso.]

segunda-feira, março 7

Substance



Se me estenderes a mão, num sinal de perdão, eu até sou capaz de avançar. Mas o gesto terá de ser teu, se o teu sentir assim o exigir, sem te deixares comandar pelo racional.


Eu nem penso, ainda estou presa num desejo por assumir, em memórias de olhares trocados, ainda sinto as tuas mãos próximas das minhas e o rubor de me adivinhares a não te oferecer resistência e alguma vergonha a atrapalhar-me, ao lembrar a tua boca tão perto da minha, quero pedir-te desculpa mas tu impedes qualquer som, tiras-me o fôlego. E o juízo.



terça-feira, fevereiro 22

This Woman



Respiro-TE em ausências de momentos em que a luz difusa me penetra como se a tua mão na minha fosse ainda o caminho. Lascivos os olhares com que nos bebíamos (S)em pressas que transbordavam de silêncios contidos. Procuras-ME em noites de Lua Cheia, quando me transformo em loba e te devoro em reticências. 

Sabes a pedras salgadas, a fumo de sobro e a flores silvestres, com que me debruas os seios de auréolas rosas em bicos de espinhos. Soltas perfumes de cristais no mercúrio com que iluminas as manhãs que transportamos ao colo, sem que ninguém saiba, em segredo, ao mesmo tempo que me telefonas para dizeres: amo-te.

Finjo que te esqueço, quando o café arrefece o açucar e o chá de menta sabe a deserto na alma que tocas cada vez que me entoas canções e me esperas na esquina onde mais ninguém passa, para não saberem deste amor proibido, celebrado um dia por semana, todos os anos, mesmo hoje, quando o cabelo adourado se desprende dos teus dedos e a barba embranquece as tardes de pecado que não fomos. 

Fazes amor comigo, como se fosse a ultima vez. E para mim, é sempre a primeira, nas descobertas de centímetro a centímetro de ti, de mim.

Eternizo-TE nos cãnticos que jamais escutarei. Fecho os olhos, as pernas, os braços. Fecho-ME contigo dentro de mim e saio em busca de nós, no passado que já não lembro.